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Desgraças Passadas

Santuário
7.01.2010 @ 18:16

Bom dia, os pássaros cantam lá fora.


Eu larguei o controle do Wii só para dar uma espiada por cima de meu ombro. Você continua adormecido. Profundamente adormecido. O volume está no mínimo, eu não quero atrapalhar seu descanso, não agora. Eu tenho uma lata de redbull ao meu lado. E a bebo, tentando suprimir a vontade de café. O cinzeiro ao meu lado está cheio, eu fumo os seus cigarros, sabendo que ficará bravo comigo. Você gosta desses cigarros estranhos. Com sabores. Eu gosto do bom e velho Marlboro. Eu gosto do bom e velho "você", também.


O cigarro apaga e eu acendo outro, e volto a jogar. Mas logo paro, não me conforta. O vídeo-game não apaga a vontade de você.


Então eu encaro o quarto e pego a câmera só para ilustrar esse local.


Os controles do outro vídeo-game estão por aí, nessa bagunça sem fim. Há garrafas de cerveja por todos os lados, vários cinzeiros cheios e alguns papéis com seus poemas. Os nossos CDs de jogos, CDs de músicas. Roupas e cobertas. Tudo largado aqui, quase como um santuário. Só você e eu. Mas você está adormecido. Profundamente adormecido na minha cama. Espalhado por ela, como uma doce bagunça. Seus olhos se movimentam, eu tenho certeza que está sonhando. Você sonha comigo? Eu espero que sim.


Eu observo o seu peito magro subir e descer, o ar entrar e sair de você. Observo os fracos raios de sol tocarem seu rosto, iluminando essa linda pele dourada. Você sempre foi assim. Seus pés descalços para fora do lençol azul que o cobre parcialmente. Suas pernas com esses finos pelos igualmente dourados, mais um pouco e eles nem seriam visíveis. E então a minha roupa que você usa. Ela cai perfeitamente em você. Serve. Combina. Eu também. Eu sirvo perfeitamente você. Combinamos.


Meu organismo quer café. Meus neuroreceptores desejam, mas meu coração não quer sair de perto de você. A câmera continua em minhas mãos, e eu tento captar cada sentimento neste quarto. Imortalizar tudo aqui. Imortalizar você. Mas eu ainda quero café... Se eu o abandonar por um segundo que seja, você vai me perdoar?


Meus pés me levam para a cozinha, eu me movo ali automaticamente. Armário, pó, cafeteira.


Eu acendo mais um cigarro enquanto espero a cafeteira fazer seu trabalho. A caneca em minhas mãos foi um presente seu. Lembra? Você a pintou para mim. É a peça mais perfeita da sua obra. Ela é negra e diz "Eu amo você". A sua simplicidade é o que a faz complexa. E lá dentro, no fundo, tem o seu maior presente.


O seu coração. "De mim, Para você".


Eu encaro a aliança em minha mão esquerda. Ela é dourada e tem nossos nomes gravados. Em uma linda data. Eu a giro em meu dedo, contemplando. Cada vez que os raios de sol batem nela, mais linda fica. É uma lembrança daquele dia. A melhor lembrança. Nós, elas e depois uma viagem para Campos do Jordão. Chocolate quente em frente a uma lareira e você sem roupas. Nada fica melhor que isso.


O cigarro queima meus dedos e eu praguejo baixo. Penso tanto em você que me esqueço do mundo.


Mas não importa. Acendo outro, trago e tomo um gole de café. Eu volto para o quarto só para encontrá-lo ainda adormecido. Em uma nova posição. Suas costas para o quarto, o rosto no travesseiro. Seu cabelo castanho claro está apontado para todos os lados, está rebelde. Você tomou banho de madrugada e não penteou seus fios. Eles se revoltaram. Eu sorri, andando pela bagunça até chegar na cama. Sento-me ao seu lado, a caneca e o cigarro em uma mão, a outra acariciando suas costas. Eu me inclino para beijar aquela singela marca de nascença ali. Você suspira, eu sei que está perto de acordar. Eu quero que acorde.


A minha mão desce lentamente por suas costas, a minha bermuda fica grande em você. E essa considerável quantidade de carne aqui, ah, eu amo. Eu aperto fracamente e o ouço suspirar novamente. Solto o riso e me deixo beijá-lo outras e outras vezes mais. Beijar você é como um vício. É o que eu preciso todos os dias para me manter são. Você é o meu vício. O meu melhor vício.


Um outro suspiro entrou em meus ouvidos como música, e eu tive que me afastar para você se movesse. Despertando. Seu rosto virou em minha direção e me deu um sorriso sonolento.


"Bom dia, amo você". Você disse, erguendo seus braços até meus ombros e segurando-me firme. Eu sorri, deixando-me ser puxado em sua direção. Seus lábios tocaram os meus e logo a sua língua passeou pela minha, eu gemi em prazer, você suspirou. "Você sempre tem gosto de café".


"Você gosta?" Eu pergunto, encaixando meu rosto em seu pescoço, o seu aroma próprio me encanta. Como um afrodisíaco. Eu esfrego o meu nariz ali, tentando roubar o seu cheiro só para mim, e ele ri quando faço isso. Ele sente cócegas aqui. Eu me aproveito disso sempre.


"Amo". Você diz entre risos, sua voz soando perfeitamente juvenil.


Eu me aconcheguei em seus braços, deitado nessa grande cama com suas pernas ao meu redor. Ele lê seus versos ao pé do meu ouvido e eu derreto. Seus versos para mim. Meu poeta particular. Esse é o meu garoto.


“Seu dedo... Você se queimou?” você me pergunta, levando a minha mão até estar perto demais de seu rosto. Esses olhos castanhos observam atentamente a pequena marca avermelhada ali. E lentamente, ele a beija. “Pronto, sarou”.


Eu rio, e volto a me aconchegar em seus braços. A cama é completa com ele. Tudo neste apartamento é completo com ele. Nada mais, nada menos. Só ele.


“Está uma bagunça aqui”. Você disse enquanto se sentava. Seu olhar vasculhava todo o quarto, crítico. As roupas jogadas, os cinzeiros, os vídeo-games, as latinhas de bebida. Tudo em todo lugar.


“Não importa. Não hoje”. Eu disse, trazendo-o para meus braços. Beijo. “Amo você”.


A bagunça é um detalhe deste nosso santuário.


“Amo você também. Para sempre”.


Eu o beijei.


“Você é o meu garoto. Perfeitamente. Ideal”.

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Ren.